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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Brasil e a Sua Paixao Pelo Futebol #


Bernardinho é sábio não só por ter aproximado a seleção brasileira masculina de vôlei da perfeição técnica, mas também por saber superar certos preconceitos que ainda resistem em relação ao futebol, especialmente no ambiente dos chamados esportes olímpicos. Ao rejeitar a idéia de que o vôlei poderia estar igualando (ou superando) os índices de popularidade do futebol, Bernardinho foi claro:

– O futebol é um caso único, ele nasce com o brasileiro. É algo mágico.

Só um fenômeno social com esta força destacada por Bernardinho é capaz de fazer com que um grupo de garçons de Porto Alegre, por exemplo, supere o cansaço e se reúna em plena madrugada, logo depois de fechar os bares, para jogar futebol, como destaca um dos capítulos da série que está sendo publicada em Zero Hora e replicada no clicRBS. São textos sobre a paixão do brasileiro pelo futebol, aquela que nasce com cada um de nós, independentemente de condição social.

Certa vez, um antropólogo escreveu que os campos de futebol no Brasil são as únicas áreas de terra respeitadas pelos invasores. Não é preciso muito esforço para verificar que ele acertou em cheio. Basta olhar para o lado quando se circula pelas cidades. Em Porto Alegre, por exemplo. Ao passar pela Avenida Diário de Notícias, olhe para o lado. Você verá ali uma antiga vila popular, que se estende por longos e estreitos corredores, tomando todos os espaços, até mesmo as margens do arroio. Tudo é ocupado, menos os dois antigos campinhos (foto). Aquele é uma espécie de santuário - ai de quem resolver construir seu barraco por onde devem circular os jogadores.

Os moradores se apertam entre as laterais e o muro do hipódromo, mas acabam funcionando como guardiões do solo sagrado. Nos fins de semana, lá estão eles, sentados em frente a suas moradas, acomodados em cadeirinhas ou conversando com amigos, mas sempre prestando atenção nos jogadores que se esforçam para repetir os lances ensinados por gerações de ídolos. É um fenômeno social. Ninguém precisa de soldados, nem de milícias armadas, nem mesmo de decisões da Justiça para bloquear as invasões dos campinhos. Basta instalar aquelas goleiras e pronto: é um recado de que, a exemplo do que faziam os povos primitivos das Américas, a área de terra tem de ser respeitada - pelos locais ou pelos eventuais visitantes.

Romário, um dos maiores goleadores do futebol brasileiro, costuma com alguma freqüência voltar à Vila da Penha, no Rio, para bater bola com seus amigos de infância no velho campo de areião de seus primeiros chutes. Como ocorre no bairro Cristal ou em centenas de outros pelas cidades brasileiras, o campo da Penha é um espaço sagrado. Foi em lugares como a Penha e o Cristal que alguns dos maiores jogadores brasileiros deram seus primeiros chutes. Foi lá que eles aprimoraram a habilidade técnica que deslumbra estrangeiros. Dominar a bola em campos com jeito de mesa de sinuca é fácil, mas vá tentar fazer o mesmo em meio a buracos, pedras e touceiras, ou então nas ruas de paralelepípedos, como fazem os moleques brasileiros. De lá só podem sair jogadores com uma habilidade capaz de empolgar e deslumbrar.

Em todo o país é assim, naqueles casos em que as leis não escritas da população são mais fortes até do que a especulação imobiliária, claro. Quando não são, as máquinas costumam atropelar a tradição, as goleiras são destruídas e as marcas improvisadas de cal na terra desaparecem. Viram meras lembranças de encontros e desencontros. A resistência está nas vilas. Elas cercam os campinhos com seus casebres e funcionam como um cinturão protetor, com força suficiente para afugentar qualquer máquina. São zeladores de nossas raízes.

Quando eles sumirem definitivamente, mesmo aqueles solidamente incrustados no meio das favelas, ainda haverá ruas onde instalar chinelos ou pedaços de pedras no lugar de goleiras, fundos de quintal ou campos usados pelo gado no Morro Reuter, como você vai conferir ao longo da série. É assim que a paixão pelo futebol resiste. Afinal, sempre há um grupo de garçons, em qualquer cidade deste país, superando o cansaço e o sono para bater bola no meio da madrugada. A magia, como identificou Bernardinho, nasce em cada um de nós


                       
               
 
         

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